NAS TELAS DA CIDADE
- Ponto Solidário
- 2 de out. de 2016
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Publicado em O Globo, dia 13/11/2009 – Opinião – pág. 07
Aproveitando o lançamento do projeto “Cinema da Cidade”, por parte do governo federal, e sabendo que a nova gestão municipal quer tornar a Cidade do Rio num grande Pólo Audiovisual, segue uma sugestão para a fomentação e ampliação de platéia para o cinema brasileiro.
Li e reli várias vezes o livro O Banqueiro dos Pobres (de Muhammad Yunus, Nobel da Paz 2006). Resumidamente, é a história de um banco que se desenvolveu, fornecendo as ferramentas de auto-assistência que permitiram a 12 milhões de cidadãos de Bangladesh (10% da população do país), saírem da pobreza.
O que mais é exaltado na experiência de Yunus é a honestidade do pobre, sua moral e ética. Ele nos chama a atenção, a todo o momento, para o baixo índice de inadimplência entre os contemplados com os micro-créditos concedidos por seu banco.
O nosso caso aqui é cinema e a proposta não é desfocar; muito pelo contrário, é tentar utilizar (ou aproximar ao máximo) a experiência da fidelidade da clientela do Banco do Yunus na formação de platéia para o cinema brasileiro. Como? – “Emprestando” ingressos ao público mais pobre.

Como sabemos da honestidade, moral e ética dessa fatia da população, o risco do reembolso é quase zero. E, o melhor, ele pagaria assistindo a filmes brasileiros. Além da sua fidelidade para a construção de uma nova platéia e consolidação do nosso cinema, viriam outros benefícios.
Esses empréstimos seriam feitos com a criação de “Moedas Sociais”. Uma Conta de Luz, quitada, poderia dar direito a uma entrada para se assistir a um filme brasileiro. Assim como uma Conta de Água e uma de Telefone.
Se por um lado incentivariam as pessoas a assistirem a filmes nacionais, por outro, estimulariam cidadãos a pagarem seus impostos em dia, ou, em muitos casos, a regularizarem sua situação junto a órgãos e empresas públicos e privados.
Entre 1999 e 2000 acompanhei, informalmente, diversas ações da Light para instalações de medidores em comunidades carentes. O objetivo dessas ações não era acabar com os “gatos” (desvio de energia) ou multar os moradores (até porque a maioria não tinha endereço reconhecido pelo poder público), mas sim, levantar a quantidade de energia consumida para, a posteriori, ser rateada entre os valores cobrados às residências regulares da cidade. Ou seja, por ineficiência do estado, outros cidadãos eram penalizados e pagavam, também, por aquela conta.
No nosso caso, a “Moeda Social” tem dupla motivação: incorporar à cidadania (direitos e deveres) na cultura das pessoas premiando-as, com isso, com acesso ao cinema; e formar, aumentar e consolidar plateia para o cinema brasileiro.
E quem pagaria essa conta? – Nós, a sociedade, com o dinheiro dos nossos impostos; porém, sem metermos mais a mão no bolso e sem reinventar nada, utilizando somente os mecanismos que já existem, ou seja, as Leis de Incentivos Fiscais, em especial a do ICMS, que, infelizmente, ainda não contempla este tipo de incentivo: o direto no cinespectador – o fim, que alimenta toda a cadeia produtiva.
Resumindo: Moeda Social seria qualquer conta de Água, Luz e Telefones, quitadas em dia. Seus valores corresponderiam a um ingresso para assistir a um filme brasileiro. Esses ingressos seriam financiados por empresas patrocinadoras, através das leis de Incentivo Fiscais Existentes. Os beneficiários diretos com o financiamento “pagariam seus empréstimos” com a ida aos cinemas para assistirem a filmes nacionais. O “benefício” concorreria também para a diminuição da inadimplência e incentivo a legalizações de instalações clandestinas. O dinheiro arrecadado pelos exibidores com os ingressos subsidiados fomentaria a cadeia produtiva cinematográfica (exibição, distribuição e produção).
Se um pequeno grupo de 13 mil residências, de cada estado da federação, que paga conta de água, luz e telefone, as “trocassem” por ingressos de cinema para filmes brasileiros, e se só lançássemos 12 filmes, por ano, cada um deles teria um público potencial de mais de 1 milhão. O que equivale a dizer que se fossem 24 filmes, cada um teria um público proporcional de 500 mil; 48 filmes, 250 mil; 56 filmes, 125 mil; e assim sucessivamente.
Com esse “pacto” entre o poder público, empresas e sociedade a Moeda Social seria uma iniciativa de vanguarda, tudo a ver com o Rio, uma cidade que costuma sair na frente e lançar moda. Isso pode parecer ficção, coisa comum no cinema, mas um dia acaba virando realidade.
adailtonmedeiros@pontocine.com.br
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